terça-feira, 26 de junho de 2007

Inveja

Tenho inveja de muitas coisas nas outras pessoas. Bem claro: "nas" e não "das". São quilômetros que diferenciam uma coisa da outra.
Inveja é um sentimento, que pode ser muito saudável e é bastante normal em nós "pobres mortais", de querer ter aquilo que o outro tem. Coisa ou qualidade. Essa é a diferença.
A qualidade que mais invejo é a capacidade de "não deixar para amanhã". Dava 10 anos de vida para ser assim. Dez anos que teria economizado em angústia, ansiedade e preocupação por "estar por fazer".
A tomada está por consertar; o IR a ser entendido que raio é aquilo; o inventário de meu pai (que morreu há 5 anos) para ser passado para o advogado; o abajur para a cabeceira por ser comprado; aquele telefonema que de tanto que foi adiado já nem sei como dar; aquele email que, por precisar de uma resposta menos "net", ficou pendurado e agora é melhor deixar pra lá mesmo; o carro que precisa ser trocado e "com certeza" tenho que fazer isso, mas não faço; aquele botão que demoraria 5 minutos para ser pregado; aquele anel que em 10 minutos e uma gota de super bonder estaria resolvido; aquele trabalho que o prazo era ontem, mas se empurrar até amanhã ainda dá; o presente de meu querido amigo que fez aniversário em março. A lista é interminável, e a ela, cotidianamente, somo novos itens.
Conheço pessoas - duas especialmente bem dotadas nesse sentido - que conseguem tempo, disposição e determinação e não há em suas vidas nem sequer aquele sapato que precisa trocar o salto. Invejo com admiração - uma inveja serena de quem sabe que não lhe foi dado o dom.
Não consigo mesmo! - só queria me entender.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Unidos pelo desejo de vingança

Tenho uma teoria sobre alguns casais. Aqueles que se chamam por apelidos (em público), que falam barbaridades com um "benzinho", "mô", "gatinho" etc. no final da frase - o tom é meigo o quanto é possível contendo toda aquela raiva. Já quase odeiam-se, mas permanecem juntos. De alguma forma acreditam que "aquilo" é o melhor ou, pelo menos, o suficiente. Eles me apavoram, confesso.
Fazem coisas como:
1. Desmentem-se em público
Lembra-se aquela vez que fomos a Paraty e o Pedro (filho do casal) levou a namorada pra casa e criou aquela confusão enorme com os pais dela?
E ele implacável:
Não foi bem assim, amor, também não foi confusão, a gente nem tem certeza blábláblá.
2. Brigam na frente de todos
Eu não te disse que isso não daria certo?
Sim!, mas vc sempre diz isso e nem sempre acontece.
Agora vc vem com essa.
Com essa qual?
E, ai, vc que está lá desavisado, fingindo de paisagem, preferindo estar no pólo norte de camiseta regata, é chamado a árbrito.
Vc não acha, fulana, que blábláblá..
(meudeus, eu não acho nada! porfavor, não me peçam para achar)
Bom - começa o desavisado, nem tanto ao céu, nem tanto à terra...
(aindabem, nem precisa terminar, o casal retoma a briga sem nem ouvir o final da tentativa patética e inútil do intruso acalmar os ânimos)
3. Nunca se lembram
Lembra quando fomos àquele restaurante na praia?
Foi comigo?
Sim que comemos aquela lagosta maravilhosa, em Natal..
Não, não me lembro..
Mas vc mesmo tinha dito que aquela noite seria inesquecível..
Imagine! eu disse? não pode ser!
4. Se humilham mutuamente
Certo, mas se pelo menos vc parasse num emprego?
Como? Eu? Estou nesse emprego há dois anos!
hahahahah... dois anos imagine... eu estou há 10
sim, mas também para ganhar essa merreca....
5. Qualquer motivo é motivo
vc sabe o caminho?
lógico que sei!
não seria aqui à direita?
não! já disse que sei o caminho!
ok! ok! é que sempre...
porra já disse que sei, que droga, vc sempre me enche com a mesma coisa
sim, e já estamos perdidos
tamos porque vc não cala a boca e não pára de me perturbar
não, tamos porque vc é um metido e nunca me ouve.
Seguem juntos pela vida unidos pelo ressentimento, pelo desejo de vingança - vc acabou com a minha vida e agora acabo com a sua (vice-versa). Existem aos montes. Podem ser encontrados aos finais de semana nos supermercado, nos aeroportos esperando outro casal amigo, nos restaurantes em dias comemorativos, no carro do lado. São visíveis a olho nu e identificáveis à distância. Está estampada nas suas caras a infelicidade da vida escolhida. Mas não se separam, por causa dos filhos, da grana, da casa, da família, dos anos, das culpas, das dívidas, de nada. Não se separam porque amam se odiar.
Apavorante. E nem quero entender.

domingo, 17 de junho de 2007

Por um simples tabefe

Paulo Ricardo é um garoto gorducho, de mais ou menos 4 anos, que mora no 4º andar do prédio que dá fundos para o meu. É uma criança com nome composto. Nunca o chamam de Paulo ou Ricardo e muito menos apelidos como Ric ou sei lá. É uma criança de 4 anos com nome composto e mais, diria que é um nome "enfático", uma vez que nunca escuto menos que um PAUlo RiCARdo. Para dizer a verdade, ele é muito chato. Normalmente não me permitiria um comentário como este sobre uma criança, mas é inevitável: a mãe, o pai, os vizinhos, os amigos dos pais, e até os avós, concordam comigo, tenho certeza.
Mas, não satisfeitos com o inferno que Paulo Ricardo tem tornado as nossas manhãs escaldantes, com seus gritos, chamados, birras, (acho que se pedíssemos ao serviço de poluição sonora para medir os decibéis de sua voz, certamente ele seria multado e impedido de funcionamento até a reforma do estabelecimento), os pais do rapazinho presentearam Paulo Ricardo com um triciclo que, ao ser pedalado, toca uma sirene. Sempre. Basta que Paulo Ricardo apoie seus gordos pezinhos nos pedais e lá vamos nós - a sirene soa implacável.Que presente mais adequado para uma criança indócil como Paulo Ricardo!
Na semana anterior, deram-lhe uma baleia inflável gigante para brincar na piscina. Mãe, mãe, MANHEEÊ, olha, Olha Olha, ÓÓÓLHA o que eu sei fazer. E todos nós olhávamos, todos, menos a mãe. Ela já não agüenta mais ouvir, olhar, atender Paulo Ricardo. Eles estão incomunicáveis. Ela não o escuta e nem ele a ela.
Outro dia pudemos confirmar minha teoria. Por mais que enfaticamente pedisse para Paulo Ricardo sair da piscina, ele não atendia, ao contrário, a incomunicabilidade atingiu um ponto que, quanto mais ela argumentava que ele deveria atende-la, mais Paulo Ricardo insistia em saltar de uma piscina a outra, passando como um bólido diante dos olhos e braços insuficientes de sua mãe. Achei que dessa vez a humilhação era pública (ela podia imaginar que quando a cena se dava dentro do apartamento, nós, os vizinhos, não víamos ou escutávamos - podia, perfeitamente, ainda que fosse impensável, achar que aquela gritaria estava entre quatro paredes).
Devo confessar que tive uma leve esperança que finalmente Paulo Ricardo levaria um belo tapa e encerraríamos essa fase de sua educação. Mas, essa mãe treinada pela modernidade, pelo construtivismo, por toda essa psicologia não executou a tarefa – Paulo Ricardo não levou nem um tapinha, nem um apertão, e o mundo terá que suportá-lo até o fim de seus dias.
Custava ela ter lhe dado um belo tabefe?